Visite a História (II)
Durou 24 longos anos a guerra, praticada com determinação, dos valentes pernambucanos – comerciantes portugueses, índios e negros – contra o invasor holandês. Agora, quase quatro séculos depois, as marcas dessa resistência são um roteiro do heroísmo do litoral do Nordeste.
Em 1972, há cinquenta anos, a revista Quatro Rodas publicou a edição especial, chamada "Visite a Nossa História", em que contava fatos históricos, fartamento ilustrados, e que trazia um roteiro turístico indicando os locais onde aconteceram, com mapas detalhados de cada roteiro específico. Mas lembre-se que muita coisa mudou de 1972 para hoje. Temos estradas diferentes e melhores, e é possível conseguir muitas informações turísticas atualizadas na Internet.
Nesta segunda postagem, nosso roteiro nos leva a muitos dos sítios onde aconteceram episódios importantes e significativos dessa que foi a segunda invasão holandesa de nosso país.

O roteiro percorre o litoral pernambucano. São praias belíssimas, edifícios históricos, igrejas antigas e cidades que tiveram alguma participação na luta contra os invasores holandeses. (Não se esqueça: os dados são de 1972, e quase tudo mudou)
Onde o Brasil aprendeu a liberdade
O dia 15 de fevereiro de 1630 amanheceu ensolarado. Desde a primeira luz da manhã, os combatentes já aguardavam, em terra, a rápida aproximação do inimigo. Imóveis e em silêncio, guarneciam a linha de defesa. No início, as sessenta caravelas holandesas surgiram como pequenos pontos negros no horizonte. Depois, eles foram crescendo e se destacando. E, antes que o sol marcasse o meio dia, os primeiros tiros vindos do invasor determinavam o início da guerra. O comandante da esquadra holandesa, almirante Henrick Lonck, depois de reunir-se com seus oficiais, apontara para o porto de Recife como sendo o local de desembarque. Terminara a longa espera, e os canhões dos pernambucanos começaram a repelir o ataque.

Olinda, então a urbe mais rica do Brasil Colônia, foi saqueada e destruída pelos holandeses, que escolheram o Recife como a capital da Nova Holanda. O mapa de Nicolaes Visscher mostra o cerco a Olinda e Recife em 1630. (Fonte: Wikipédia)

Cerco holandês a Olinda durante invasão (Dutch Siege of Olinda, 1671, John Ogilby, 1600-1676)
Cinco anos depois de repelida sua tentativa de ocupar a Bahia, os holandeses investiam novamente, desta vez em Pernambuco. De Salvador eles haviam sido expulsos após um ano de lutas, mas agora voltavam muito mais fortes e decididos a ficar para sempre.
Nos navios havia 3.500 soldados preparados para a batalha. Em terra, estavam 850 homens, entre comerciantes, índios e negros que se aliaram ao pequeno batalhão do comandante Matias de Albuquerque. Ele sabia que seus homens, improvisados em guerreiros, não poderiam opor resistência durante muito tempo. Para compensar essa desvantagem, o comandante preparara uma surpresa para os invasores. Num bombardeio incessante, os holandeses avançavam sem nada perceber. A primeira nau, quando atingia a entrada da barra, descobriu a armadilha e retrocedeu a tempo de avisar as outras caravelas: Matias de Albuquerque havia afundado oito barcos brasileiros, antes da invasão, e formara com isso uma barreira intransponível no fundo do mar.
Ao mesmo tempo, os fortes do Picão e de São Jorge, que defendiam Recife, abriram fogo contra os navios que se aproximaram o suficiente para formar um alvo muito fácil. Os primeiros combates deram alguma esperança a Matias de Albuquerque, que sorria do alto de suas trincheiras. Mas em breve a situação se inverteria.

Farol e Forte do Picão, em 1890 - O forte do Picão, ou de São Francisco, chamado pelos holandeses de Castelo do Mar, Forte da Barra e Forte da Laje, foi construído em 1614. O farol e o forte foram destruídos, em 1910. (Foto: Mauritz Lamberg / Biblioteca Nacional)

"Entrada do Porto do Recife", de William Lloyd (circa 1850) – Farol e Forte do Picão (ou Castelo do Mar, Forte da Barra, Forte da Laje), ostentando orgulhoso a bandeira do Império. (Quadro de William Lloyd, circa 1850 - Acervo: Jacques Ribenboim)
Invasores em terra – Antes que essas surpresas se convertessem em derrota, os holandeses se reorganizaram, intensificando os bombardeios e distribuindo melhor suas forças: enquanto boa parte da esquadra tentava quebrar a resistência dos pernambucanos, atirando incessantemente contra os fortes, outras dezesseis naus dirigiram-se à praia de Pau Amarelo, ao norte, que estava desguarnecida. E aí iniciaram o desembarque de quase 3.000 soldados. No dia seguinte, 16 de fevereiro, começava o avanço das tropas invasoras por terra.

Boa Vista, Recife, 1671. Uma representação panorâmica de "Boavista", Recife. No centro, uma grande construção exibe a inscrição "anno 1643". A representação dessa casa faz uma ligação entre a faixa de terra, onde se pode ver outras casas, árvores e o rio Capibaribe sobre o qual aparece uma ponte. (Desenho de John Ogilby, 1600-1676)
A primeira cidade a cair foi Olinda, já bombardeada pelo mar, ao mesmo tempo que Recife. A pequena tropa de Matias de Albuquerque combatia agora em duas frentes, e começou a recuar. Foi derrotada nas batalhas do rio Doce e Tapada, e depois perdeu o forte Diogo Pais, ainda em construção. Os holandeses tomaram também esse reduto (o atual forte de Brum) e continuaram avançando. No forte de São Jorge, a resistência foi maior. Ali dentro, enfrentando a violência do invasor bem armado, achava-se um grupo de 37 homens comandados por Antônio Lima. Todos juraram morrer no combate. E resistiam. De nada adiantava a superioridade militar dos holandeses. O forte não se rendia. Aos poucos, com o bombardeio permanente dos canhões, as muralhas foram cedendo. E ficaram ruínas, de onde continuava a resistência dos pernambucanos. Essa defesa durou até o dia 2 de março, quando o forte não passava de um monte de pedras. Num assalto feroz, os holandeses conseguiram vencer a defesa, irrompendo pelos restos dos muros e torretas, e descobrindo, espantados, que apenas 37 homens descalços e famintos haviam paralisado seu exército.
O arraial resiste – O forte de São Francisco caiu logo a seguir. Os holandeses se espalharam pela região e entraram no Recife. Entre as duas cidades, no arraial do Bom Jesus, Matias de Albuquerque organizou e manteve o único reduto de resistência que permaneceu em luta durante muitos anos de dominação estrangeira no nordeste. Desse arraial partiam pequenos grupos para ataques rápidos às posições holandesas. Em volta do núcleo de resistência estendia-se a floresta, o território dominado pelos defensores brasileiros. O comandante pernambucano recebia reforços de todo o nordeste. Formaram-se batalhões de soldados profissionais, incluindo índios e negros, entre os quais destacaram-se alguns nomes, como Henrique Dias e Filipe Camarão. Mas, enquanto as fileiras de defesa eram sempre reforçadas, os invasores também recebiam ajuda que chegava pelo mar. O arraial resistiu muito tempo, à custa de muito sangue e coragem.

Forte Orange (atual Fortaleza de Santa Cruz de Itamaracá), a partir de maio de 1631, uma fortificação de campanha dos holandeses, assim denominado em homenagem à Casa de Orange-Nassau. (Foto Hans von Manteuffel / Wikipedia) (Mais informações)
A guerra destrói – A invasão trouxe a fome e a miséria para toda a região. As lavouras estavam abandonadas, os engenhos parados e milhares de negros escravos fugiram para a serra da Barriga, em Alagoas, onde formaram seus quilombos. No arraial do Bom Jesus, os defensores chegavam a caçar ratos e outros pequenos animais para sua alimentação. A água era outro problema: as poucas fontes existentes naquela área estavam cercadas pela guerra, e seu acesso ficava assim cada vez mais difícil. Apenas os estrangeiros não pareciam afetados pela destruição. Eles procuravam ampliar seus domínios ainda que sobre terras arruinadas. Preparando uma defesa mais cerrada do estratégico porto do Recife, os holandeses conquistaram a ilha de Itamaracá, onde construíram o forte de Orange. Em seguida, incendiaram Olinda, considerando ser uma cidade a menos para manter sob controle. Dessa forma, toda a riqueza que celebrizara Olinda naquela época foi destruída: sobrados, igrejas, casas dos nobres e suas obras de arte, incluindo a prata e o ouro. Apenas a igreja de São João escapou do grande incêndio, e até hoje resiste ao tempo.

Olinda era considerada a cidade mais rica do país. O Mirante da Sé é um dos melhores lugares para observar a paisagem da cidade. Essa igreja foi fundada em 1540 como Matriz de São Salvador, sendo o mais antigo templo religioso da cidade. Foi destruída em 1631 pelos invasores holandeses, sendo reconstruída em 1656 e novamente inaugurada em 1677. (Fonte: Mala de Aventuras)

Igreja Nossa Senhora da Conceição - No ano de 1585, as religiosas de N. S. da Conceição eram proprietárias de uma igreja e algumas casas. Em 1631, a igreja e outras construções foram incendiadas pelos holandeses. Reconstruída por João Fernandes Vieira, a igreja atual tem características arquitetônicas do barroco da segunda metade do século XVII. (Fontes: Prefeitura de Olinda, esq., e Booking.com) (Mais informações)
A derrota de Matias – O dia 20 de abril de 1635 marcou o inicio do fim de Matias de Albuquerque. Durante cinco anos, o comandante liderou a resistência do arraial. Até que foi traído por Domingos Fernandes Calabar, considerado um bom combatente, homem que vinha lutando com bravura e, por isso, conhecedor do sistema de emboscadas utilizado pelos resistentes. Naquele dia 20, Calabar passou para o inimigo. E com ele os holandeses ganharam as iniciativas da guerra, conquistando seguidamente Igaraçu, Rio Formoso, Afogados (hoje bairro do Recife) e outras localidades espalhadas pela costa, dominando a terra até o Rio Grande do Norte. Só o arraial resistia.

Matias de Albuquerque Coelho era neto de Duarte Coelho, o primeiro donatário da capitania de Pernambuco. Em 1620, recebeu do rei Felipe III a missão de defender a capitania da sanha dos holandeses, mas estes foram para a Bahia. Voltou a Portugal, mas, em 1929, retornou para defender Pernambuco, porém com apenas uma caravela e 27 soldados. (Pintura de Feliciano de Almeida, Galleria degli Uffizi, Florença, Itália - Fonte: Wikipédia)
Marco colocado pelo Instituto Archeologico, em 1922, que assinala o local do Arraial de Bom Jesus, com os dizeres: "Aqui existiu o Forte Real do Bom Jesus (Arraial Velho), 1630-1635" (Foto: Diário de Pernambuco)
O dia 6 de junho de 1635 foi o mais triste e doloroso na vida de Matias de Albuquerque. Assediado pela fome, com sede e sem armas, o comandante ordenou a retirada. O arraial caía. Mas, em seguida, ele teve uma breve compensação: em sua fuga, quando atingia Porto Calvo, conseguiu deter Calabar. Preso, o traidor foi estrangulado no garrote. Sempre em retirada, perseguido pelos holandeses que não lhe davam trégua, o comandante acabou sendo retirado de cena pelos próprios portugueses. Inconformada com a derrota final, a corte mandara buscar o homem que chefiara a resistência pernambucana. Levado preso para Portugal, Matias de Albuquerque foi responsabilizado pela vitória holandesa. Reabilitado cinco anos mais tarde, morreu em 1647, quando Olinda ainda permanecia sob domínio do invasor.
A vinda de Nassau – O dia 23 de janeiro de 1637 também amanhecera ensolarado, como sete anos antes, no começo da invasão. E sobre a linha do horizonte apontavam outras caravelas, trazendo agora o novo governador-capitão e almirante general das terras conquistadas no Brasil, conde João Maurício de Nassau-Siegen. Desembarcou no Recife com sua corte e assumiu imediatamente o comando do exército: depressa levaram-lhe as últimas notícias da resistência. Audacioso e inteligente, o conde sufocou as revoltas, e ampliou os domínios holandeses que se estenderam de Sergipe à Paraíba e ao Maranhão, limitado no interior por parte do rio São Francisco. Em 1640, estabeleceu-se a paz oficial entre Portugal – que se libertara do domínio espanhol – e a Holanda, que continuava dominando o nordeste brasileiro. Essa paz, porém, não abateu o ânimo de revolta entre a população dominada.

Conde Maurício de Nassau, alemão a serviço da Holanda, culto e liberal, trouxe artistas e cientistas, para estudar as potencialidades da terra, e preocupou-se com a recuperação da indústria do açúcar, prejudicada pelas lutas. (Pintura de Jan de Baen, MASP, SP)
"Engenho de açúcar" (parte), Frans Post, c. 1664 - Durante a administração de Nassau, os escravos tinham direito ao descanso semanal, à missa em horário especial e à vida em comum dos casais, até então obrigados à separação durante o trabalho, segundo o costume brasileiro. (Fonte: Wikilivros).
Diplomata, político e bom administrador, Maurício de Nassau conseguiu disfarçar atritos internos, instituiu novas formas administrativas e começou a recuperar a economia da região. Como primeira medida, o conde confiscou, em 1638, todos os engenhos abandonados, levando-os a leilão. Conclamou portugueses e brasileiros a voltarem aos canaviais, oferecendo-lhes garantia para o trabalho e a liberdade de expressão. Com o aval do governador-capitão, os senhores de engenho puderam obter financiamento da Companhia das índias Ocidentais, principal interessada no açúcar de Pernambuco. Além dos engenhos, os mesmos senhores puderam reaver, com o dinheiro emprestado, a mão-de-obra escrava, que ficara bastante desfalcada com a fuga constante para os quilombos. Durante a administração de Nassau, os escravos tinham direito ao descanso semanal, à missa em horário especial e à vida em comum dos casais (até então obrigados à separação durante o trabalho, segundo o costume brasileiro).
O desafio do culto – A religião foi um dos mais sérios desafios para o conde holandês: seus homens eram calvinistas, os senhores de engenho, católicos e os comerciantes, judeus. Enfrentando essas divergências de culto, Maurício de Nassau procurava ainda conciliar os interesses locais com as novas determinações econômicas. Os donos do açúcar deviam diversificar sua cultura, embora insistissem em permanecer apenas com o beneficiamento da cana. Para compensar essa diversificação, o governador-capitão prometeu adiar o pagamento devido à Companhia das Índias Ocidentais.

A igreja Nossa Senhora do Ó localiza-se no município de Paulista, PE, e data de 1811. O complexo é constituído pela igreja, cemitério, ao lado do templo, e por um conjunto de casas. A atual igreja foi construída no local onde anteriormente existia uma capela. (Fonte: Wikimedia Commons)
Havia ainda descontentamento entre os senhores de engenho e os comerciantes das cidades. O preço de um nem sempre satisfazia ao outro. Como tentativa de harmonizar as duas partes, Nassau criou a primeira assembleia representativa do país, em 1640, sendo escolhidos os deputados através de votação direta entre os senhores de engenho. Um desses deputados, João Fernandes Vieira, seria mais tarde um dos líderes da rebelião brasileira.
Obras públicas – Recife passou a chamar-se Maurícia, em homenagem ao próprio Nassau. E foi ele quem transformou a cidade numa das mais bem urbanizadas de todas as Américas, portuguesa e espanhola, naquela época. Em primeiro lugar, o conde urbanizou a ilha de Antônio Vaz, arborizando-a e construindo novos diques e aterros. Onde antes era um pantanal, surgiu um parque que logo foi se transformando numa nova cidade, com ruas e praças: seria a atual Olinda. Ao norte da ilha havia um jardim onde foram transplantados mais de 2.000 coqueiros, com árvores frutíferas, plantas ornamentais e medicinais. No meio do parque, a leste, abaixo da confluência dos rios Capibaribe e Beberibe, construiu Friburgo, o palácio mais suntuoso do Brasil, decorado com objetos indígenas e gravuras de Franz Post, representando paisagens brasileiras. Um outro palácio, o da Boa Vista, foi erguido ao lado. Ligando a ilha ao continente, construiu a primeira ponte de madeira sobre o rio Capibaribe. Todo esse conjunto de obras beneficiou duas localidades que se integram, geográfica e historicamente: Recife e Olinda.
A segunda rebelião – O bom administrador para as terras dominadas foi considerado um mal governador para o país dominante: Nassau perdeu o poder em 6 de maio de 1644, regressando à Holanda depois de deixar seu testamento político para os novos administradores dos domínios conquistados havia quase quinze anos:
— A potência de um governo não se deixa medir pela superfície, mas pela fidelidade, devoção e respeito dos indivíduos. A palavra imposto soa muito mal; não os aumentem, mesmo que seja para pagar dívidas do Estado.
As causas que levaram Nassau a deixar o governo residem, entre outras coisas, em seu malabarismo econômico. Em 1645, tentando recobrar as dívidas atrasadas, a Companhia das índias Ocidentais lançou os motivos de uma nova rebelião: ela ameaçava confiscar os engenhos hipotecados. O conde, esperando ainda pelos frutos de uma economia diversificada, procurou conter o confisco. E foi destituído.

João Fernandes Vieira, figura importante no combate à invasão holandesa durante a Insurreição Pernambucana (1645-1654), morava no povoado de Maranguape, em terras que havia adquirido no século XVII, e onde, em 1656, construíra um sobrado e a capela de Nossa Senhora dos Prazeres, em alvenaria de pedra, junto à sua residência. (Fontes: Nena Cabral, esq., e Museu do Estado de Pernambuco) (Mais informações)
Após a queda de Nassau, os protestos aumentaram entre todas as camadas da população. E tramava-se a insurreição nos canaviais. João Fernandes Vieira, Henrique Dias, André Vidal de Negreiros, Filipe Camarão e outros veteranos da resistência à invasão muniram soldados, negros e índios para a luta. A mesma tática de Matias de Albuquerque voltou a ser empregada. Durante nove anos, os holandeses foram atacados por emboscadas, sabotagem e armadilhas. Estabeleceu-se a insegurança entre a tropa invasora. Até que em agosto de 1645 ocorreu o primeiro combate direto, no monte das Tabocas, dentro da atual área municipal do Recife. Os brasileiros venceram. Estabeleceu-se o pânico entre os holandeses: todo nativo era um combatente. Em 1646, outra batalha, em Tejucupapo, na mesma região. Os brasileiros venceram novamente. O pavor entre os invasores: até as mulheres defendiam paliçadas utilizando foices como arma. As tropas de libertação se organizavam – e tomaram o forte do cabo Santo Agostinho – e avançavam. Travaram uma batalha na estrada de Munheca, na entrada do Recife, em 1648, quando os holandeses perderam mil homens e seu comandante. Os brasileiros venciam em todas as frentes.

As Batalhas de Guararapes, episódio da Insurreição Pernambucana, considerada a origem do Exército Brasileiro (Quadro de Victor Meirelles, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, RJ)
Finalmente, a cena decisiva: Guararapes. A partir dessa derrota, os invasores recuaram em desordem à procura de uma oportunidade para se reorganizarem. Formaram uma linha de resistência no Recife e na fortaleza de Itamaracá. Os portugueses estavam na luta, rompendo com o acordo de paz. Por terra e por mar, as tropas luso-brasileiras apertavam o cerco. Sem víveres, nas mesmas condições em que Matias de Albuquerque abandonara o arraial, os holandeses sofriam o desespero da derrota. A capitulação deu-se na batalha da Campina de Taborda, perto do forte de Cinco Pontas, a 26 de janeiro de 1654. Os que sobreviveram foram expulsos do país.
Da dominação estrangeira ficaram os campos devastados e os engenhos destruídos. Ficaram também a obra administrativa de Nassau e o contato do povo brasileiro com uma cultura diferente de todas aquelas que experimentara em suas primeiras formações históricas.
Os sinais do passado – Sua visita ao passado deve começar em Pau Amarelo, onde os holandeses desembarcaram. No caminho, você ainda atravessará a zona dos coqueirais.
Depois de ver o local de desembarque dos invasores, volte sobre as pegadas históricas em direção a Olinda e pense naquilo que era considerado o berço da civilização portuguesa no Brasil, o centro intelectual do nordeste, e pense no incêndio que destruiu tudo isso. As casas tinham dobradiças de prata e puxadores de ouro. Na cidade, comece o passeio pela rua do Amparo, que guarda alguns sobrados com balcões coloniais. No Paço da Sé, em frente à catedral, houve uma violenta luta corpo a corpo durante a invasão. Ali fica o marco em pedra do início da construção da cidade. Na rua Bispo Coutinho está a igreja da Misericórdia, de 1540. Um capitão de nome Tenudo morreu ali lutando contra os holandeses. Ao lado, a igreja Nossa Senhora do Amparo, cuja portada foi construída na ocupação. Na estrada do cemitério fica a igreja de São João Batista a única que escapou do incêndio porque, na época, estava fora das portas da cidade. É uma peça renascentista.

A Igreja de São João Batista dos Militares escapou do grande incêndio de Olinda, e até hoje resiste ao tempo. (Foto: Passarinho / Prefeitura de Olinda)

Igreja de São Pedro dos Clérigos, em Recife. A bela igreja, em estilo barroco, foi construída no século XVIII, de 1728 a 1782. Antes, havia no local apenas uma horta e seis casas assentadas junto às trincheiras holandesas, hoje, aproximadamente, no meio da Rua das Águas Verdes. (Foto: Nathalia Verony / iPatrimônio)
Capital da resistência – O que seria a cidade de Maurícia é hoje o bairro do Recife, ligado ao continente por pontes. Uma delas, a de Maurício de Nassau, foi construída em substituição à de madeira, que fora a primeira mandada fazer pelo administrador holandês sobre o rio Capibaribe. Mas, antes de chegar a esse ponto, você deverá visitar o Sítio Trindade, onde ficava o arraial do Bom Jesus, capital da resistência, um pouco distante do centro. O local foi transformado em parque, com velhas árvores e uma pirâmide de granito assinalando o local do forte Real de Bom Jesus. Hoje, além do monumento, nada mais lembra a heroica resistência.
Três quilômetros antes da entrada do Recife, para quem vem do sul, pela BR-101, há uma estrada para o Parque Nacional dos Guararapes, onde desenrolou-se a batalha decisiva para a derrota final dos holandeses. À direita, está a estrada de Munheca, de terra, orlada de palmeiras, onde Jerônimo de Albuquerque perdeu uma das vistas. Dominando a região encontra-se a igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, construída como pagamento da promessa de vitória sobre os holandeses. Ali estão os restos mortais de João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros.

Recife – Restos do Palácio da Boa Vista, construído por Maurício de Nassau em 1643 e integrado ao Convento do Carmo a partir de 1654 (Foto: Paulo Castagna / Wikipédia)
Talvez a torre do Convento do Carmo, no pátio do Carmo, tenha pertencido ao luxuoso palácio de Nassau, como pensam alguns historiadores. Mas os principais marcos da dominação holandesa que resistiram ao tempo são o forte de Brum (no fim da rua do Brum, Centro), o forte das Cinco Pontas (na praça do mesmo nome, no caminho para Boa Viagem, erguido em 1677 sobre os alicerces de uma fortaleza holandesa, também de cinco pontas) e o forte de Orange (construído pelos holandeses), na ilha de Itamaracá. Os dois primeiros sofreram reformas e o último está abandonado [na verdade, está muito bem conservado e abriga o Museu Militar], mas ainda impressiona pelo tamanho e resistência.
Você poderá ter uma visão geral da permanência dos holandeses no Recife indo ao Museu do Estado. Lá estão os retratos dos principais heróis brasileiros, feitos por pintores anônimos. Em seguida, na sala dedicada ao domínio holandês, há quadros de Franz Post, artista que veio com Nassau, sobre paisagens brasileiras. As pinturas das principais batalhas, todas de autores anônimos do século XVII, estão na sala da Restauração Portuguesa. Há, ainda para ver, móveis, documentos, louças e armas da época da dominação flamenga.
Fonte do texto principal:
Revista Quatro Rodas, nº 145-A,
Agosto de 1972

O Museu da Cidade do Recife está instalado no Forte de São Tiago das Cinco Pontas, erguido originalmente no ano de 1630, pelos holandeses. (Fonte: Prefeitura da Cidade do Recife)
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